-- Vim o mais depressa que pude. Pelo desespero de sua voz ao telefone, percebi que o caso é de vida ou morte. Vamos lá, Silmara: conte tudo para sua irmãzinha, conte...
Corpo estragado por três partos consecutivos, a dona da casa atirou-se em prantos nos braços de Soraia, doces olhos azuis, silhueta tentadora de mulher nos seus dezessete anos.
-- Uma desgraça, maninha, uma desagraça – soluçou, com a cara enfiada entre os seios pontudos de Soraia.
-- Silmara, querida, abra-se comigo... Como nos velhos tempos, lembra-se? Apesar de cinco anos mais velha, você tinha em mim uma confidente sempre pronta a ouvi-la.
O Horácio tem outra. Meu casamento está perdido – berrou, já com o rosto banhado em prantos.
-- Você tem certeza disso? Como descobriu?
-- Não é preciso ser muito esperta para saber que o homem da gente está pulando a cerca. E o pior é que tudo foi premeditado. Você se lembra do que eu era antes. Veja agora. Estou um lixo. Quatro anos de casada e três filhos, um após o outro. Horácio nunca me deixou usar anticoncepcionais. Me transformou numa “parideira”, só para manter-me entocada dentro de casa e assim curtir suas amantes numa boa.
-- Mas isso não é motivo para você se acabar desse jeito, Silmara. Quem sabe se...
A campainha tocou, e Soraia viu a irmã dar um salto da poltrona. Sem nada compreender, ouviu-a balbuciar com raiva:
-- Agora vou saber como é a fuça da vagabunda. E juro que vou encontrá-la, custe o que custar. Ainda esgano essa destruidora de lares, juro...
Em seguida, Gertrudes, a empregada, entrou na sala:
-- Com licença, dona Silmara. Aqui está o café e um envelope que um moço acabou de trazer para a senhora.
Indiferente à curiosidade da irmã, destroçou ávida o papel.
O trabalho do detetive particular fora perfeito. Não se sabe como, mas ele conseguiu fotografar Horácio em pleno sexo com a amante.
Silmara examinou o material e a cada foto foi mudando de cor. Num supremo esforço levantou-se a apontar o indicador em direção à irmã. Mas, sem conseguir dizer qualquer palavra, caiu morta, fulminada por um ataque cardíaco.
Rapidamente, Soraia acercou-se do corpo inerte da irmã, apanhando as fotos onde aparecia nua numa cama de motel ao lado do cunhado. Só após guardar cuidadosamente as fotos na bolsa é que pediu por socorro.
Depois de curtir luto por um ano, Horácio casou-se no civil e no religioso com a jovem e fogosa Soraia.
(Histórias da Boca / Notícias Populares / Sampa, /A.M.Soldera)
Soldera, my old friend este conto é primoroso, bem ao estilo rodriguiano. Me lembrou muito a época da Folha, as noites de bife acebolado no Tabu, festas políticas e apolíticas, o cheiro do álcool nas ruas da boca do lixo,etc.. li mais dois e achei bem legais, parabéns! bjk
ResponderExcluirValeu, Bel
ResponderExcluirA idéia era essa, quando escrevia as histórias da boca no NP. Breve colocarei outras histórias desse período da minha vida. Espero que você goste...e comente...seu comentário é muito valioso para nós...bjk