Aos quarenta anos, Américo já se sentia um trapo. Sua vida, a mesma rotina de sempre. Casa-trabalho, trabalho-casa. Não havia outros atrativos. Além de tudo, ainda tinha de suportar a tirania de uma esposa horrorosa.
Estava casado com Clementina fazia quinze anos. Nunca ousara dizer a palavra “não” para ela. Era um verdadeiro martírio aturá-la. Não bastasse dar duro o dia todo como contínuo num escritório de advocacia, ao chegar em casa tinha de fazer todos os serviços domésticos.
Clementina, gorda, cabelos desgrenhados, refesteleva-se na poltrona e ficava assistindo uma novela atrás da outra. Américo, coitado, preparava a comida, cuidava da faxina.
No fim do mês, como se fora uma criança, entregava à mulher o salário inteirinho. Ela lhe separava a parte da condução e consumia o resto a seu bel-prazer.
Américo não entendia como conseguira viver tanto tempo com semelhante megera. Matutava sobre isso no ônibus, no trampo, mas não encontrava resposta. E era justamente no que estava pensando naquele domingo de manhã, enquanto coava o café.
“Anda logo com isso”, ouviu Clementina gritar lá da cama. Sentiu-se tomado por um sentimento de ódio que nunca tivera antes. Mas apressou-se. Pôs o bule na bandeja e caminhou até o quarto.
Quando, porém, Clementina estendeu a mãozorra para apanhar a xícara, recuou bruscamente a bandeja.
- A-mé-ri-co! – berrou, enfurecida, a montanha de banha.
Américo, no entanto, era um homem completamente surdo naquele momento. Como um leopardo, saltou sobre o pescoço da esposa e apertou, apertou...
Ao notá-la desfalecida, afrouxou os dedos e correu à cozinha. Buscou na gaveta da pia a faca mais pontuda. Retalhou Clementina como se fora uma porca.
Quando a polícia chegou, entregou pacificamente as mãos para serem algemadas:
- Prendam-me. Eu matei aquela mulher. Não aguentava mais...
(Histórias da Boca / Notícias Populares / Sampa, 17/6/1985/A.M.Soldera)
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